Os rastros que se encontram aqui, dão notícias das minhas próprias caminhadas. Se por vezes são espontâneas, outras são intuídas, programadas – sobrepujadas de uma única intenção: coletar. A coleta – seja ela de imagens, das manchas deixadas pelos processos de oxidação, da impressão dos carvões sobre os quais caminho num tecido, dos fungos que impregnam as folhas do caderno – é também necessidade de escavar o tempo à procura dos traços deixados pelo desaparecimento. À procura de materializar a trajetória desse movimento. À procura de estremecer, confundir e subverter a concepção de um fim absoluto. Talvez, então, materializando esses rastros, essas rotas de fuga, a potência do que escapa possa ser ressaltada como resistência furtiva, possibilidade de reinvenção. É uma aposta nas histórias não contadas, nas memórias que se perdem, naquilo que existe quando ninguém está prestando atenção. No entanto, como percebo, basta uma inclinação, um desejo de imantar tal frequência, assim como um giro, uma mudança de perspectiva, para que essas pequenas narrativas emerjam, apresentando-se em suas formas indomáveis, imprevisíveis, onde cabe a mim apenas coletá-las – noto que cada rastro é dotado de agência própria, singular, suficiente para decidir não só sobre suas aparições como sobre os seus contornos.
Tais coletas, trabalhadas enquanto vídeos, gravuras, objetos, e outros suportes, no período entre 2020 e 2021, compõem uma pesquisa performativa que busca se articular com os detritos das ruínas de nossos tempos, deslocando-os dos espaços degradados pelas crises socioambientais para prospectar, junto comigo, imaginários alternativos à destruição. No Inventário dos Rastros, as imagens operam quase como âncoras, fundamentando a coleta num estágio de contaminação; é a partir do contato que os rastros podem ser materializados. São elas que costuram as narrativas dispostas a seguir, nas quais o dispositivo captura fragmentos dos encontros entre coletora e territórios, sejam eles uma floresta na Polônia, uma praia no Rio de Janeiro ou sua própria casa. Assim, a performatividade do cotidiano é coletada numa espécie de desvio, onde o desaparecimento segue se presentificando em novas atualizações. Essas aparecem através do imaginário fílmico, em que a fabulação estabelece uma ponte para desafiar as narrativas únicas, enviesadas para a supressão dos modos de vida que não compactuam com o desenho civilizatório. As rotas e caminhos apresentados neste Inventário filiam-se a tecitura de cestos, redes, e outros manejos pelos quais as linhas se emaranham, sustentando uma a outra de modo a garantir que mesmo na partilha de um tecido em comum, haja a multiplicidade das experiências. Tanto os vídeos quanto as fabulações que os acompanham, partem da formação em audiovisual desta coletora, indo de encontro às inquietações filosóficas e políticas amparadas na necessidade de questionar as histórias escolhidas por um mundo em vias de se esgotar – quanto as outras experimentações, gosto de pensá-las como sussurros dos rastros, desejantes da matéria. Assim, apoiada em leituras e referências artísticas que apontam para tal esgotamento deste mundo extrativista-predatório, bem como para a existência de outros mundos forasteiros que ainda lutam pelo restauro da terra, desenvolvo uma pesquisa baseada no processo que sempre possuirá o seu próprio tempo. Um outro tempo. O tempo da decomposição?